quarta-feira, maio 28

...da incerteza grafémica


Estou a ler o acordo ortográfico. Até "ontem" tinha-o ignorado, simplesmente por falta de tempo (e, admito, também alguma despreocupação). Mas hoje começo a não dormir porque esta incerteza grafémica que aí vem não me permite ter a certeza de que a minha correcção ortográfica não é já anacrónica.

Na minha ignorância, sentia-me capaz de argumentar que, afinal, este acordo havia de abrir-nos mais uma janela para além-mar... mas, em conversa com um amigo, sempre informado e atento ao mundo, decidi analisar detalhadamente o acordo, mais não fosse para poder opinar. E aqui estou eu, agora a comungar com a perspectiva do desastre do Vasco, publicada pela Alêtheia Editores; e também com o António Gabriel.




segunda-feira, maio 19

parto à luz do dia

Quando me perguntam se sou o que escrevo, não sei responder. É certo que brotam de mim as palavras, sinto-as à flor da pele, às vezes; outras há que, subcutâneas, me obrigam a desgarrar-me. São minhas, mais não seja porque fui eu que as escrevi, pari-as. Trouxe-as à luz do dia e da noite para dar algum sentido ao caos que sou. Não sei se me diga o romântico que escreve como dita o coração ou se, entre o que penso e o que escrevo, há um filtro que me coa os sentimentos, esse que há-de acrescentar ou suprimir palavras.


Então, parto...

quarta-feira, maio 14

...sinestesias


Olho à minha volta e, da mesma forma que um matemático há-de analisar a realidade com os seus óculos, também eu verei o que me rodeia com as minhas lentes de aprendiz. Não sou original no que escrevo - Kristeva e Bachtin hão-de dar-me razão - limito-me tão somente a plagiar meia centena de homens que viveram e escreveram antes de mim. Quem leu Nava há-de compreender-me melhor, quem não leu ... estou certo que não tardará a dirigir-se a uma qualquer livraria para pedir uma antologia azul da D. Quixote. Dizia ele, o Luís Miguel, que há tantos mundos quantas as línguas. É claro que no seu discurso encontrareis a poesia que aqui não existe. Sabereis então, também ao folhear as suas palavras, que foi o poeta que nos cantou mais por dentro, onde somos vísceras e sangue. Viu, sentiu, cheirou, ouviu, tomou o gosto de cada coisa com todos os sentidos. Curou-se da cegueira epidémica. Essa que nos limitou a ver com os olhos, a sentir com a pele, a cheirar com o nariz, a ouvir com os ouvidos e a tomar gosto com o paladar. Depois inventamos sinestesias.

domingo, maio 4

do sol e da lua... e de um sentido samaraguiano


Sento-me numa varanda que dá para o mundo e peço à Lenox para me cantar alguma canção. Olho o céu e, ao longe, as nuvens negras que deixam o meu sol brilhar. Lembro-me de uma Blimunda que roubava vontades que alimentariam máquinas voadoras, de um Baltasar coto e de um Bartolomeu louco... e pego num memorial de um convento, o de Mafra, o do Saramago que há-de dizer que para cada sol há-de haver uma lua, e só porque um existe, o outro há-de ter sentido...

sábado, maio 3

Passeio entre paredes... ou a pele

Hoje dediquei-me a passear, como esse Garrett, hoje esquecido, que dizia que num quarto também se passeava. Ele via uma nesga do Tejo.... eu, entre guindastes e antenas, a coroa de uma qualquer serra galega ou leonesa ou qualquer coisa de intermédio.
Decido-me então a viajar entre Cebolais de Cima e Sarilhos Grandes, montado num burro mirandês preto de alforges verdes. Passo por Cansado, Freixo, Barulho, Pai Torto, Chão de Maçãs, Vale da Pinta e retonho-me Às Dez... depois passeio-me por dentro. Gasto já pelo tempo que passa e pelas memórias de tempos idos. Tudo é passado. O presente é o que escrevo. O futuro, esse hoje é mais incerto, tal como o dia de sol a haver que foi engano.