terça-feira, janeiro 31

crucifixion de Derain



(contemplar de preferência ao som de Brazilian Sun, das Coco Rosie)

segunda-feira, janeiro 30

(To)Mar Adentro



Amanheço junto ao mar e faço-me à viagem. Adentro-me por vales e penedos e arrepio-me com um frio que adivinha neve. (O homem da meteorologia assustou a minha mãe e convenceu meio Portugal que havia de cair neve como nunca, mesmo para os mais incrédulos.)
Com fartos raios de sol, desenha-se na sombra do meio-dia a cidade templária. Entre os ecos raros de um silêncio de almoço rebusco nos recônditos da minha memória os esboços da cidade eleita. Sento-me a uma mesa chinesa para alimentar um corpo gelado. E o mar segreda-me ao ouvido. Saio e deambulo pelas mesmas ruas, mais vazias e menos festivas que naquele verão.
A novidade é a visita da Romy, com os cadáveres das árvores mortas no verão passado, feitos obras de arte e enclausurados na sala de exposições do Paço. A sinagoga é a mesma, com as mesmas peças e a simpatia do povo judeu encarnada num casal ancião que se esforça por abrir as portas sob a estrela de David. - Ali estão os pilares matriarcas da religião judaica: Sara, Rebeca, Lia e Raquel. É a mulher que concede o direito à religião. Se a esposa for judia o filho há-de ser judeu; se for cristã será cristão... Depois perco-me pelas estreitas ruas, feitas canais. Navegarei por museus, parques... saborearei beijos e abraços invisíveis.

sexta-feira, janeiro 27

Uma antologia m(ag)istral

Encontrei-a, ocasionalmente, numa estante da Bertrand. Não hesitei em pegá-la para sentir as suas palavras a entrarem pelos meus olhos dentro para se cravarem no coração. É assim a sua poesia: bela, dolorosa e vísceral.
Ainda me lembro quando ouvi pela primeira vez o seu nome: ecoava na catedral de León e confundia-se com cada pedaço de luz que entrava por cada vitral a reflectir-se em cores lá dentro. Alguém me disse há séculos que era um Florbela Espanca, mas à moda chilena. No sofrimento, talvez. Mas cabe a cada um decidir se merece ou não ser só ela, sem comparações. Eu já decidi. Tu farás o mesmo.
Hoje dediquei a manhã à poesia de Gabriela Mistral, e deixo este pequeno retalho da sua poesia.


Libros, callados libros de las estanterías,
vivos en su silencio, ardientes en su calma;
libros, los que consuelan, terciopelos del alma,
y que siendo tan tristes nos hacen la alegría!
Tradução de Fernando Pinto do Amaral, na teorema:
Livros, ó mudos livros das estantes frias,
vivos no seu silêncio, ardentes na sua calma;
livros, os que consolam, veludos da alma,
e que sendo tão tristes nos dão alegrias!

quarta-feira, janeiro 25

bill schwab ou mozart entre paixões e desencontros

bill schwab

Entre pneus desorientados e pensamentos alheios a quase tudo o que me rodeia, com o Mozart de há uns duzentos e poucos anos sentado ao meu lado e transformado em capa de JL , tentei-me a pegar-lhe para poder, por momentos, encontrar-me na sua leitura. Instantaneamente entre Verdades quase verdadeiras, a clamarem paciência ao leitor mais nervoso ou ansioso, não pude deixar de dar a mão à palmatória quando entre encontros e desencontros e paixões adiadas encontrei a beleza do texto. Dizia-me o mar que as histórias mais tristes são sempre as mais belas. Nunca quis crer, hoje sei que é verdade.

segunda-feira, janeiro 23

Camões, Machado ou Lorca


Não me decido por Camões ou Pessoa e remexo em memórias onde encontro um António Machado, uma Gabriela Mistral ou mesmo um Garcia Lorca. Não bastasse, encontro um valter e Gil de Biedma na minha cabeceira, a par de uma entrevista qualquer sobre uma matemática mais simpática que aquela que aflige os nossos alunos, mas mais difícil de nome. Entre letras e números, desisto do dilema e enfio-me na cama feita de lavado a cheirar a maresia. Sempre à espera de encontrar uma maior lucidez, apago a luz e a fingir que adormeço esqueço a poesia.





imagem: the mathematicians, Giorgio de Chirico

domingo, janeiro 22

Disfarço-me em conversas domingueiras com pessoas que não conheço e se arrastam por ruelas da baixa. Escuto-as e finjo amizades, invento amigos por um dia ou uma tarde. Ou mesmo um minuto, quando se atropelam em palavras e em passos. Calmo e sereno assisto e sorrio para dentro, não quero ser tomado mais uma vez por louco.

sexta-feira, janeiro 20

sede da alma com fotografia de jorge pena

Secam-se-me os pulmões do ar seco que respiro deste lado da montanha, dobra-se-me o corpo já inerte e quase areia.

Trago na alma sede do mar e do sal que se entranha em cada poro do meu corpo para alimentar o meu sangue, já descorado.




quarta-feira, janeiro 18

Um dia de sol fora de casa

A história que se segue é rigorosamente verdadeira, e porque merece ficar registada nos anais, aqui a redijo sem escapar mínimo pormenor. Peço ao leitor mais distraído que logo que termine tão interessante leitura busque de imediato e registe no seu telemóvel o contacto dos bombeiros sapadores.
Avante. Nada mais agradável que um dia de sol como o de hoje para fazer um passeio-daqueles-cujo-guia-é-a-lista-de-compras-que-temos-colada-no-frigorífico-há-mais-de-duas-semanas. E assim foi, qual homem relâmpago, saí de rompante porta fora, fecho a porta, desço de elevador e estou na rua menos movimentada desta cidade.
Começo a subir a rua e quando quero encontrar as minhas chaves, para fazer umas acrobacias interdigitais, apercebo-me da minha desgraça: para fazer tais acrobacias, tenho de descobrir uma forma de subir dois andares e abrir uma janela que seja para entrar em casa. A vulgar porta já não é um desafio, afinal todas as pessoas entram pelas portas.
Infelizmente, gastas as minhas teias de aranha, tive de me fazer passar por um simples mortal que, para entrar em casa, tem de chamar os bombeiros. E a polícia. Sim, porque é preciso que alguém me identique, não fosse eu um ladrão.
Problemas seguintes: os documentos de identificação estão em casa, contrato não há, recibos de água e luz não estão em meu nome... e dizem que os telemóveis não são úteis. Liguei à minha senhoria para que elucidasse o sr. agente. E dali a 5 minutos estava eu em casa... para escrever esta peripécia coimbrã!

terça-feira, janeiro 17

Entre uma chávena de café e o jantar passeio pelas intermitências da morte.

river of sorrow

Por ora deixo a música de hoje:
River of Sorrow, do Antony.

segunda-feira, janeiro 16

Hoje tive um acordar diferente. Talvez adivinhasse já o sol que me daria os bons dias enquanto abria mais um pouco de paisagem urbana na minha casa. Lembro-me, ao sentir a luz na pele, de uma Sophia em Veneza, numa qualquer tarde nublada. São memórias.

O jardim, a um andar da minha varanda, com alguma relva que se entrecorta com passeios de cimento é a única amostra de Natureza, maltratada por cães e gatos vizinhos. E, repentinamente, estou além montanhas e em casa, na minha verdadeira casa.Alguns segundos, porque a estrada passa ali ao pé e arranha-me os ouvidos.

Hoje vou escolher os Sigur Rós para banda sonora, Takk (Obrigado, para quem não sabe islandês).

domingo, janeiro 15

chuva cinzenta

Hoje, cinzento o dia, parco em palavras, e a folhear um livro de Jaime Gil de Biedma, apetece-me dedicar um pequeno poema à amizade daqueles que me pintam o cinzento de azul.

Pasan lentos los días
y muchas veces estuvimos solos.
Pero luego hay momentos felices
para dejarse ser en amistad.

Mirad:
somos nosotros.

sábado, janeiro 14

Entre Santiago e Coimbra

Esta manhã feita névoa seduz-me para mais um dos meus passeios matinais pela cidade. Quem sabe se assim, nesta quase cegueira, e a recordar Santiago, não me começo a sentir menos estrangeiro.
Tactearei pela rua da Sofia até à Praça da República e, comprado o jornal, alugarei com um chá de limão - ou carioca - uma mesa no TAGV. Sentado já, numa leitura sossegada, onde as letras se esgotarão como grãos de areia de uma ampulheta, regressarei a casa.