domingo, fevereiro 10

Adormecia do mundo todas as noites!

Adormecia do mundo todas as noites! Quase como um ritual, havia de deitar-se e folhear um livro para que as palavras lhe servissem de sustento ao corpo. A luz era sempre ténue para que os seus olhos verdes, quase escondidos pelas pupilas bastante dilatadas, pudessem devorar mais matéria, feitos buracos negros que deformavam o espaço e o tempo e tudo o que por ali entrasse nunca mais havia de sair. Acreditava que medraria mais o seu corpo e a sua alma. Acreditava que dentro dele se construía, assim, outro mundo que pouco a pouco cresceria e um dia havia de vomitar. Acreditava, do mesmo modo, que as pessoas que o rodeassem o pudessem perceber mais e melhor ao terem ali o seu mundo, ao dispor dos seus olhos. Deixaria de ser palavras, às vezes mal entendidas, para ser coisa, matéria. Tocável e exposto a outros sentidos: ao olfato, ao tato, ao paladar e à visão. Nesse dia, não adormeceria mais (de ninguém).