quarta-feira, março 22

rio e deságuas por dentro

Sinto-me estranho: estou e sou, mas por dentro; onde os sons ecoam. Graves e agudos de uma Callas fecham-me em sentidos. Cego-me ao mundo e emudeço. Engulo o sangue que me corre nas veias, hoje Puccini, Bizet, Rossini, Verdi e Mozart.
Entretanto,
rio por dentro - e correm-me na alma imagens de vidas alheias, afluentes de estranhos olhares que se cruzam com o meu.

domingo, março 12

david burdeny


Hoje visitei-me em memórias. Tempos sem retorno, onde, em crianças, nos aventurávamos sem receio do que a seguir viesse. Entre risos e quase lágrimas, as palavras eram amenas e excelente a companhia. Reflectia-se nos nossos olhares o brilho da nossa infância. Só o final da tarde nos trouxe o pôr-do-sol. Escureceu e recolhemo-nos nas nossas vidas.

quinta-feira, março 9

Há uma espécie de asma mental, em que sufoco

Procurei-a meses a fio. Depois, ocupou-se-me a cabeça com outras preocupações que não a de uma simples frase que retrata qualquer um que se dedique, minutos que seja, à escrita. Passaram alguns anos, a juntar aos tais meses de incessante busca. Hoje, a querer gozar por instantes um sol tímido de uma tarde, peguei numa revista, folheei-a sem presa, com os olhos de um passeio de domingo. A chegar à página treze, a tal página que já me autoriza a desistir de um qualquer livro menos interessante, encontrei-a; e ei-la para regalo dos vossos olhos (e dos meus):
A dificuldade está em manter, fora do espírito, na página, a velocidade, o ritmo, a temperatura a que as imagens estão no espírito.

quarta-feira, março 8

O Enterro do Conde de Orgaz

Hoje li Alberti, quase da mesma maneira que tenho lido Clarice: o lápis cola-se à minha mão, os olhos transpiram e os braços, feitos berço, fazem-se pedra. Embalo ao som de marchas fúnebres, não me estivesse eu a precipitar para o Enterro do Conde de Orgaz. Entre palavras-trepadeira, faço-me muro... xisto. E inscrevem-se-me a branco pinturas de Picasso.

segunda-feira, março 6

atrás do pensamento ou água viva, sem mais





Hoje escrevo onde as palavras são êmbolos. Entopem-se-me as veias e congestionam-se-me os sentimentos.


O corpo, esse perde-se em sentidos.

sábado, março 4

enganei o tempo e li o sol, o vento e a chuva


Ontem pude, por instantes, enganar a saudade de sentar-me onde quer que fosse, desde que confortável, para ler umas linhas de dois ou três livros que namorava na estante há algum tempo. Autores tão distintos e surpreendentes como o tempo que, estes dias, nos bate nos vidros da janela: sol, vento e chuva.
O sol, encontrei-o numa pequena revelação: um conto de Picasso. O vento, num bestiário e conjunto de fábulas de da Vinci. E a chuva, num fio de navalha de Poe. Coisas pequenas, como disse. Palavras concisas para caberem em meia dúzia de páginas.
Hoje acordei sem tempo. Outra vez.