sexta-feira, fevereiro 17





Espelham-se-me nos olhos e na alma cinzas do céu. Depois, torna-se-me o corpo mais pesado, e mais cinzento.
Entretanto, renasço.

terça-feira, fevereiro 14

hoje sou bronquíolos, coração e sangue...


Escrevo com as palavras gastas: gastas pelo tempo e por todos aqueles que as escreveram antes de mim. Poetas, prosistas, dramaturgos... e as outras personagens por eles inventadas. Assim, posso, tão somente, dar-lhes um novo sentido ao revirá-las do avesso e expô-las por dentro, no seu sentido mais visceral.
Sempre escrevo o que vejo, hoje engoli os meus olhos e vejo-me mais adentro: onde bate o coração, inspiram e expiram os bonquíolos; onde o ar se transforma em sangue e onde o sangue alimenta cada célula ... hoje sou mais feio, mas mais verdadeiro.

terça-feira, fevereiro 7

excerto de uma criação poética ou literatura no feminino

Na ausência de palavras, a lembrar também o modo como escrevia Lispector, decidi transcrever um excerto de uma carta de Gabriela Mistral. O meu encontro foi premeditado e, a morrer de amores por cada uma das suas palavras, quis partilhá-la convosco. Aceitem-na.
Escrevo sobre os joelhos e a escrivaninha nunca me serviu para nada, nem no Chile, nem em Paris, nem em Lisboa.
Escrevo de manhã ou de noite, e a tarde nunca me deu inspiração, sem que eu entenda a razão da sua esterilidade ou dessa má vontade para mim.
Creio nunca ter escrito um verso num quarto fechado ou cujas janelas dessem para uma horrível parede; afirmo-me sempre num pedaço de céu, que o Chile me deu azul e a Europa me dá manchado. Melhoram os meus humores quando fixo os velhos olhos num grupo de árvores.
Enquanto fui criatura estável da minha raça e do meu país, escrevi o que eu vi ou tinha mais próximo, na carne quente do assunto. Desde que sou criatura vagabunda, desterrada voluntária, parece que só escrevo no meio de uma emanação de fantasmas. A terra da América e a minha gente, viva ou morta, tornaram-se-me um cortejo melancólico mas muito fiel que, mais do que me envolver, me forra e me oprime e raras vezes me deixa ver a paisagem e a gente estrangeiras. Escrevo em geral sem pressas, mas de outras vezes com uma rapidez vertical de avalancha de pedras na Cordilheira. Irrita-me em todo o caso interromper, tendo sempre ao lado quatro ou cinco lápis afiados, porque sou bastante preguiçosa e gosto que me dêem tudo pronto, excepto os verso.
No tempo em que batalhava com a língua, exigindo-lhe intensidade, costumava ouvir enquanto escrevia um colérico ranger de dentes, o rangido da lixa sobre o frio rombo do idioma.